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terça-feira, 2 de abril de 2013

Páscoa

Entrando no tempo da Páscoa, compartilhamos o belo texto do pe. Libânio sobre esse evento central na vida cristã: a ressurreição de Cristo e seu significado para a vida humana.


Páscoa
Páscoa ultrapassa em sentido a religião e a fé. Enquanto rito, pertence às religiões judaica e cristã. E, por sinal, a festa mais importante. Para os judeus, relembra o fato fundante da história do povo que se liberta do Egito para fazer a Aliança com Javé no deserto e depois ocupar a Palestina. Para os cristãos, recorda a vitória de Cristo sobre a morte.

Enquanto fé, os judeus proclamam a soberania absoluta de YHWH, o único e verdadeiro Deus. No início do decálogo soa a forte afirmação da fé judaica: "Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirou do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses além de mim” (Êx 20, 2-3).

Os cristãos, na palavra de Deus, não se mostram menos categóricos com a fé na ressurreição de Jesus, vinculada com a de Deus. ‘E se Cristo não ressuscitou, a vossa fé não tem nenhum valor e ainda estais nos vossos pecados” (1Cor 15, 17). Aí estamos no nível da fé.

A pergunta vai mais longe. Prescindindo das duas religiões e proclamações de fé, Páscoa tem algum sentido de humanidade? Deixarei de lado o fato de tornar-se festa que o comércio explora. Se o faz, porque existe no inconsciente das pessoas algum referencial religioso, humano.

Páscoa encarna a tensão fundamental da existência humana: morte e vida. Dá-lhe sentido. Todos experimentamos a dialética da morte e da vida. Nascemos para a vida, mas, ao mesmo tempo, o relógio da morte já começa o rodar. Morremos para a tranquilidade, segurança do útero materno e nascemos para o mundo que nos cerca de inúmeras ameaças a vida.

Jacques Monod formulou de modo percuciente: "O preço da vida é a morte”. Considerou o processo evolutivo. Outro prêmio Nobel, A. Kastler inclina-se para o agnosticismo, porque não consegue entender que a vida custe tantas mortes, se houvesse um Deus da Vida e do amor.

O mistério pascal lança luz sobre tal realidade e permite-nos sair do agnosticismo e ceticismo de quem vê a morte triunfar sobre a vida. Se tudo terminasse na morte, a existência não teria sentido e a ética se perderia em voluntarismo arbitrário. A ressurreição de Jesus aponta para a vida como término último da vida e por isso dá sentido a todas as mortes, revelando-lhes o caráter provisório. Vale antes a teologia de S. João que acentua que no princípio, na origem, na explicação última de todas as coisas está a vida. Na Palavra eterna que se fez carne, morreu e ressuscitou está a vida. E ela ilumina todos os homens (Jo 1, 4).

Para além de toda religião e fé, Páscoa afirma para toda a humanidade a esperança latente no coração humano de que não terminaremos a história pessoal e coletivo no vazio do nada, mas no esplendor da vida ressuscitada. Esta não participa da fragilidade da bioquímica que fez Monod pensar na morte como preço da vida, mas na transfiguração de toda a pessoa com a sua história para além das categorias de tempo e espaço. Mergulha-se na infinitude de Deus que está no princípio e no fim de tudo que existe. Celebrar a Páscoa traz-nos esperança para dentro do mundo cercado de tantas ameaças de morte. Canta a Igreja na liturgia pascal: "a vida e a morte travaram um duelo; o Senhor da vida foi morto, mas eis que agora reina vivo”.
IN:  http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=74453

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