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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Funcionários da SIC participam de palestra com o educador César Nunes



O ano de 2015 dá seus primeiros passos. Para muitos, paira no ar a sensação de incertezas: o cenário político e econômico brasileiro se mostra instável; de certo modo, isso causa perplexidade, considerando-se que um amplo processo eleitoral há pouco se encerrou e atendeu o desejo da maioria da população votante – portanto seria plausível esperar que estivéssemos num momento mais leve e de otimismo. O cenário mundial também não se diferencia do que ora vivemos aqui: efeitos da crise econômica ainda se estendem pela Europa, as mudanças climáticas se agravam em todos os continentes, guerras e fundamentalismos se tornam mais exacerbados e virulentos na aurora do ano que mal se inicia... Momentos confusos exigem discernimento e lucidez; pausa e inspiração. Onde buscá-las? 

 Os funcionários, professores, dirigentes dos colégios, obras sociais e religiosas da SIC, mantenedora da rede educacional Santo Agostinho, estiveram reunidos, nessa primeira semana de fevereiro, com o educador Cesar Nunes, professor da Unicamp, para uma reflexão que se mostrou realmente inspiradora e instigante sobre os caminhos da educação brasileira e as possibilidades de transformação que se apresentam especificamente nessa área.

 Munido de grande erudição e saber, somados a uma comunicação sensível e bem humorada, César falou para a “inteligência e o coração” dos seus ouvintes. Lembrando, à luz do pensamento de Jean-Paul Sartre, que o ser humano é “aquilo que fizeram dele, somado àquilo que ele faz do que fizeram dele”, César Nunes conduziunos pela história da educação brasileira, com seus condicionamentos históricos, suas matrizes políticas, filosóficas, debilidades e contradições vindas daí. A educação brasileira responde, hoje, pelo que fizeram dela no passado. Conhecer seus percalços é fundamental: permite-nos tomá-la como uma tarefa ainda a ser efetivada, rever conceitos e atitudes, buscar novos horizontes e inspirações. Há muito o que fazer. Ela será aquilo que fizermos dela: crer em sua transformação, acolher e sustentar as mudanças que já ocorrem, suprimir práticas que já não condizem com o tempo presente, são gestos genuinamente revolucionários, pois permitem vir à luz algo novo, melhor! 

César Nunes foi discípulo e companheiro de trabalho de nomes fundamentais para a educação brasileira, tais como Paulo Freire, Rubem Alves, Demerval Saviani – verdadeiros faróis a iluminar os caminhos da história recente do pensamento pedagógico. César descobriu, em sua própria história de vida, as raízes do educador que ele se tornou, raízes que se fecundaram na leitura, interlocução e convivência com aqueles homens. Compartilhou com eles que o educar é, por si mesmo, um ato político: oferece instrumentos para que a pessoa se torne sujeito da sua própria história, consciente, atuante e decisivo na realidade em que está inserido. Educar constitui-se como ato de grandeza, tendo como finalidade auxiliar-nos a “tornar-nos pessoas” mais plenas, iniciando-nos no mundo da cultura, da consciência de si mesmo e da vida em sociedade, da aquisição de atitudes e valores que norteiam “aquilo que fizeram de nós e aquilo que faremos daquilo que fizeram de nós”! Seria liberdade a palavra que expressa melhor a finalidade do educar?

Ora, uma educação libertadora distingue entre o fundamental e o que é apenas circunstancial. Princípios e valores que a sustentam são permanentes: respeito, amor, comunidade, transcendência... Práticas e resultados, hábitos e métodos estão em constante mudança, pois se destinam a atualizar a educação para tempos igualmente em constantes transformações. Vivemos hoje sob o prisma de uma sociedade do consumo: nela, os saberes se destinam ao lucro, à eficiência e produtividade. Ela demanda um modelo de educação que prepare pessoas competitivas, adaptadas às exigências do mercado e que dominem as técnicas e tecnologias em vista de ocuparem postos nesse mesmo mercado, favorecendo a continuidade do próprio sistema de consumo. A educação libertadora considera a pessoa em sua inteireza. Portanto, educar não se restringe a acumular informações, responder avaliações, cumprir tarefas. Aprender a ser, a conviver, a pensar globalmente, a traduzir o aprendido numa prática efetiva: são seus pilares irrenunciáveis. Num horizonte mais amplo, mais do que habilitar tecnicamente as pessoas, preparando-as para determinados afazeres, a educação libertadora se identifica com o espírito humanista: seu desejo é proporcionar ao homem ser pleno em suas potencialidades, pois só na plenitude da humanidade conseguiremos articular sociedades plenamente capazes de acolher as pessoas em suas diversidades. Uma educação libertadora fala para o intelecto, tanto quanto fala para o afeto, a arte, o corpo, a convivência com o outro... dimensões da vida que não são alcançadas pelas avaliações tradicionais e que não compõem o fundamental na cultura tecnicista atual. 

De modo emblemático, César Nunes partilhou as memórias dos seus anos iniciais na escola. Lá, encontrou dois paradigmas educacionais, encarnados nas figuras da dona Cotinha e do seu Norberto, professores que marcaram sua vida. Em dona Cotinha, encontrou a educadora amável, capaz de empatia e afeto, que despertou e fortaleceu a estima própria de um aluno inseguro e estreante no mundo da escola. Nela, César pôde tomar consciência dos valores que circunscreviam o seu próprio mundo, advindos da tradição e cultura sertanejos, transformando-os numa verdadeira plataforma para expandir-se pelos horizontes que a vida iria lhe apresentar. Já com o professor Norberto, César conheceu uma escola de práticas rígidas, excludente, pautada pelos resultados e pela eficiência, uma escola que desperta medo e competição, que interdita a criatividade e enobrece a obediência. 

Claro que a realidade não é assim tão bem definida: há, em cada Cotinha, um pouco do professor Norberto; do mesmo modo, o professor Norberto também tem em si um pouco da dona Cotinha. Eles são retratos da condição humana que nos une: “Não consigo entender nem mesmo o que eu faço; pois não faço aquilo que eu quero, mas aquilo que mais detesto” (Rm 7, 15). Vivemos sob o signo da contradição. Contudo, segundo a tradição cristã, “Cristo nos libertou para que sejamos verdadeiramente livres. Portanto, sejam firmes e não se submetam de novo ao jugo da escravidão” (Gal 5, 1). Há uma linha tênue entre pecado e graça, liberdade e escravidão, a lei e o amor; essa linha torna-se condição de possibilidade para irmos adiante, “esperar contra toda esperança”, e encontrarmos em nós mesmos e naqueles que nos antecederam caminhos novos para a nossa existência. Deslumbrar essa possibilidade, por meio das palavras de César Nunes, certamente tocou cada um de seus ouvintes. Tenhamos, pois, coragem e energia vital para ir além, munidos de tal esperança!

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