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terça-feira, 28 de maio de 2013

Os Guardiões da Infância



As infâncias devem ser ditas no plural, pois as crianças são várias: abandonadas; moradoras de condomínios de luxo; trabalhadoras; filhas dos consumidores de crack; da classe média urbana ou rural, para citar apenas algumas. Percebe-se que, sociologicamente e antropologicamente falando, não há como estabelecer um período fixo que contemple todas elas, pois temos infâncias tanto encurtadas quanto estendidas. Dada esta complexidade conceitual, faço um recorte para um tipo de experiência de infância, devido à globalização, que pode ser identificada em vários contextos sociais. Infelizmente são infâncias adulteradas e encurtadas, exatamente por aqueles que deveriam ser os seus maiores guardiões; os adultos.

Chamo de “roubar a infância” a ação de se retirar da criança o direito àquilo que lhe é mais adequado e pertinente, e de antecipar e disponibilizar aquilo que não lhe é próprio. “Adultizamos a criança” quando, de forma relapsa e descuidada, a expomos a estímulos que ainda não conseguem entender ou diferenciar. A erotização infantil, por exemplo. Diversas vezes crianças têm acesso a exibição de novelas, seriados, revistas, filmes ou Big Brothers. Elas não estão sozinhas, fazem companhias “silenciosas” aos pais ou às assistentes domésticas. Como parecem estar distraídas, acreditamos que não estão assistindo ou que não estão entendendo. Grande engano! Elas estão ali absorvendo um modo de ser, de viver, de falar, de agir. Observam, sem nenhuma mediação, que gritar, matar, roubar, consumir, trair, desrespeitar os pais ou os mais velhos, são meios para se dar bem na vida. Estão “sorvendo”, na cultura, um modo de ser e, como aprendem pela imitação, logo estarão replicando aquilo que veem.

E as festas infantis? Não há ocasião melhor para se observar a distorção. Nada é apropriado para o sujeito-criança. Ao contrário, todo o ambiente e o evento estão voltados para o sujeito-adulto. O tipo e a altura da música, o excesso de estímulos visuais, auditivos, degustativos, a superficialidade, o excesso de “amigos”, os animadores contratados para não deixar criança nenhuma ficar parada e a farta alimentação de baixa qualidade nutricional. É uma festa!

O pior é que virou competição. A festa do filho tem que ser melhor que a do amigo. No final há uma ressaca geral de todos os envolvidos e muitas contas para pagar. E a criança, que aprende pela imitação, entenderá que ser feliz é ter tudo em excesso, que música tem que ser alta e que brincadeira boa tem que sempre ter: quem vai ganhar, menino ou menina?

Chamo a atenção para as meninas, parte frágil e mais vulnerável, pois a elas se destina todo o aparato de sedução da indústria da moda. Disponibilizamos, então, de forma abusiva, a maquiagem, os esmaltes e as roupas de mulheres adultas. Quantas meninas abaixo de cinco anos já frequentam “salões de beleza” junto com as mães? Será mesmo que é ali que elas deveriam estar? Mais uma vez, por imitação, estão entendendo que, para os adultos a sua volta, o corpo, a aparência, o estar na moda, são valores a serem perseguidos. Na adolescência e na juventude, como bons aprendizes, estas crianças irão aplicar todos estes valores que ao longo dos anos aprenderam junto daqueles que os amam.

Por fim, considero que a escola, como uma das guardiãs da infância, também tem sido falha ao permitir que a pressão do “mercado” e da corrida rumo à universidade faça da Educação Infantil ou do Ensino Fundamental um verdadeiro matadouro de infância. Qual a real necessidade de crianças de quatro ou cinco anos saberem ler e escrever? Como defensores da infância precisamos, de fato, é nos perguntar se nossas crianças estão tendo acesso a bons espaços para brincar, se estão usufruindo de ambientes interessantes e inteligentes, se estão tendo espaço para o jogo simbólico, para a fantasia, se estão mantendo contato com a terra, se convivem com a natureza, se fazem piquenique, vão ao parque, brincam de fazer “cabaninha” e se no momento de dormir, ainda têm o privilégio de ouvir, do pai ou da mãe, a mesma estória pela milésima vez e, por fim, fazerem juntos uma oração. Com bom senso, considero que podemos retomar as rédeas desse processo e nos posicionarmos como verdadeiros filtros e guardiões desse tempo único chamado infância.



Aleluia Heringer Lisboa Teixeira
Diretora - Colégio Santo Agostinho
Unidade Contagem

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